sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Sobre Tartarugas e Coelhos



A versão japonesa da fábula da tartaruga e do coelho é um tanto diferente daquela da minha infância brasileira.

Conta-se que a tartaruga e o coelho foram apostar uma corrida. O coelho saiu na frente e quando estava no topo de um morro, olhou pra trás e viu a tartaruga lá longe, tão longe que ele resolveu deitar e dormir.
Passo a passo, a tartaruga passou pelo coelho adormecido e chegou em primeiro lugar.
No Japão, essa fábula é ensinada para enfatizar a importância da persistência, paciência, continuidade.
No entanto, quando essa história foi contada na Índia, houve quem dissesse: "A tartaruga foi má. Sabe porquê? Porque ela não acordou o coelho."
São maneiras diferentes de interpretar a mesma história. Talvez a tartaruga devesse ter parado e verificado se o coelho estava bem antes de continuar caminhando lenta e continuamente.
A história do Brasil era diferente. A tartaruga enganava o coelho e chegava primeiro. Não paramos para ajudar como na Índia, país pobre e sofredor. Nem vamos passo a passo até nossos objetivos, como no Japão, país próspero.
E a versão de Buda, como seria?
Saíam juntos, o coelho e a tartaruga. Não se preocupariam em ganhar, mas em criar harmonia com sua passagem. Ofereceriam o prêmio um ao outro, pois não haveria perdedor. Um ganharia pela velocidade, outro pela persistência.
A tartaruga veria o coelho sair rapidamente. Da poeira levantada onde nem suas patinhas poderiam ser encontradas, a tartaruga apreciando cada passo, flor, estrada, se apiedaria do amigo que na grande correria se esquecia de ver cada detalhe sagrado. O coelho, por sua vez, pernas fortes e longas, se preocupava com sua amiga tartaruga, de casco pesado e pernas curtas. Estaria sendo absurda essa competição?
Olhava pra trás e via caminhando, lenta e decididamente. O coelho parava e esperava. Perguntava como estava. Juntos descansavam na sombra das árvores. E o melhor é que não havia vitória a alcançar, não havia corrida a ganhar. Tudo que havia era o prazer de viver. Cada um com seu passo, seu estilo, sem competir, caminhando o Caminho, sendo o Caminh iluminado.
No budismo ambos seriam Bodisatvas, seres iluminados disfarçados a mostrar o Caminho verdadeiro a todos os seres. Essa versão me apetece e se parece sonho, fantasia, ilusão, utopia - é dessa matéria-prima sagrada que a vida é celebrada.
Somos um com o mundo e ele é uno em nós. Quando inspiramos o mundo inspira. Além da dualidade o que resta é a unidade.
A diversidade não é rival da unidade. Pelo contrário: no uno tudo está incluído. Cada parte, como um corpo de coração, pulmões, rins e fígado. Outro monge, o Reverendo Saikawa, bebeu de um copo de água. "Era a água e eu. Agora a água sou eu. Eu sou a água".
Interconectados. Intersendo. Olhar capaz de ver com clareza luminosa como espelho de cristal. Audição de ouvir com clareza sonora como espelho de cristal.
Assim com todos os sentidos. Tudo vendo, tudo ouvindo, todos os odores sentindo, todos os sabores, as texturas.
Tartaruga e coelho não se opõem. São. Intersendo. Cada um é como é. Têm sua função e ação. Se a tartaruga quiser ser coelho terá problemas, dores, sofrimentos. Não aceitará a si mesma. Estará o tempo todo reclamando, julgando, se rebaixando. Triste sina.



Transcrito do livro Sempre Zen - Monja Coen.

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